Criando portas lógicas com transistores

Eletrônica Circuitos digitais 16 de Novembro de 2019 às 16:52

Introdução

O professor e engenheiro elétrico Vahid, faz uma interessante afirmação em seu livro, onde as chaves são a causa dos circuitos digitais utilizarem números binários constituídos de bits, a natureza de uma chave de estar ligada ou desligada corresponde aos 1s e 0s do sistema binário. Com esta afirmação agora podemos revisar brevemente um período da história da computação, que envolve a evolução dos circuitos lógicos com relés, válvulas e transistores, chegando o que hoje conhecemos por circuitos integrados.

A chave eletromagnética que estava ganhando espaço nas indústrias no início da década de 1930, conhecida como relé de estado sólido, foi a responsável em criar os primeiros circuitos aritméticos e lógicos com a capacidade de reprogramação, dando inicio à computação com relés, como os computadores gigantes de Zuse e Mark II.

Um relé possui uma bobina e um contato metálico que abre e fecha, controlando o fluxo da corrente. Com o movimento mecânico, torna-se um dispositivo lento para realizar cálculos complexos. Entre as décadas de 1940 e 1950 as válvulas termiônicas eram extremamente utilizadas nas indústrias de comunicação para amplificar sinais fracos, como a válvula não possui partes mecânicas para realizar o chaveamento, estes componentes, principalmente as válvulas termiônicas do tipo triodo foram sendo utilizadas nos computadores tornando-os mais rápidos, porém mais quentes e vilões do consumo de energia. Um exemplo disso é o computador ENIAC de 1945/46 que consumia 174 mil Watts, contendo mais de 18 mil válvulas e 1.500 relés realizando em média 5 mil operações por segundo.

Com a invenção do transistor discreto em 1947 por William Shockley, John Bardeen e Walter Brattain dos Laboratórios Bell, surgiram os primeiros computadores com tamanho e consumo de energia reduzidos, sendo um componente eletrônico barato, mais rápido e confiável comparando com as válvulas e relés para computar dados. Com a necessidade de miniaturização dos circuitos eletrônicos surgiram os primeiros circuitos integrados de silício (CIs) em 1958, que atualmente possuem milhares ou bilhões de transistores encapsulados em um único componente.

Evolução das chaves para computar dados.

Como os transistores são componentes eletrônicos de fácil acesso e utilizados até hoje em projetos de eletrônica, podemos estudar seu comportamento como uma chave, demonstrando na prática o funcionamento das principais portas lógicas AND, OR, NOT e XOR, que dão vida aos circuitos lógicos.

1. Como funcionam os transistores na teoria

Os transistores são dispositivos semicondutores capazes de controlar o fluxo da corrente em um circuito. Existem diferentes tipos de transistores e o mais simples é o de junção bipolar. Eles possuem internamente um controle de passagem de corrente feita por três camadas de cristais de silício.

A camada do Emissor é bastante dopada e tem como objetivo emitir elétrons na camada Base, que é uma região fina e pouco dopada para conseguir transferir os elétrons do Emissor para a camada Coletor. O Coletor é a região mais extensa do transistor possuindo uma dopagem balanceada para coletar os elétrons que estão passando pela Base, conseguindo dissipar mais potência que as outras camadas.

Na Figura 1 a camada superior significa Coletor, a central Base e a inferior Emissor, onde podemos observar em seus terminais e nas representações esquemáticas de um transistor NPN e PNP.

Figura 1: Transistores NPN e PNP.

O transistor realiza o seu trabalho como chaveamento eletrônico de uma forma simples, pense em uma chave com dois estados de "liga e desliga", mas sem contato físico de um relé. Aplicando tensões positivas adequadas nas camadas de Base e Coletor, suas características semicondutoras fazem fluir uma corrente para a junção Base/Emissor, que consequentemente permite fluir uma corrente para a junção Coletor/Emissor como demonstra a Figura 2.

Figura 2: Fluxo da corrente internamente em um transistor NPN demonstrando as Junções de Base/Emissor e Coletor/Emissor.

2. Aplicando a teoria

O primeiro passo é juntar tudo o que for preciso para os testes, para isso separamos uma lista de componentes necessários para você realizar os experimentos deste artigo com transistores, então anota ai!

  • 1 Protoboard pequeno.
  • 6 Transistores NPN BC547.
  • 5 Resistores de 10K.
  • 1 Resistor de 1K.
  • 3 LEDs informativo para observar os estados do transistor
  • 2 Chaves/Botões táctil.
  • 1 Módulo de fonte para protoboard com 5V.
  • 1 Fonte de 9V.
  • 1 Multímetro de sua preferência.

Agora com os componentes em mãos, podemos iniciar a primeira montagem no protoboard, para isso siga o esquema de chaveamento com transistor BC547 como mostra a Figura 3.

Figura 3: Esquema do transistor BC547 como chave.

A montagem no protoboard deve ficar semelhante a Figura 4.

Figura 4: Montagem do transistor BC457 como chaveamento na prática.

Ao clicar o botão o LED irá acender, mas como isso funciona? Com o multímetro setado em DC Volts, medimos o comportamento da Base que terá um valor de 0 Volts, ao clicar o botão adicionamos 5V com um resistor limitador de corrente de 10K, onde a Base terá aproximadamente 0,7V vindos do cristal de silício, uma tensão suficiente para passar uma pequena corrente ao Emissor no GND, sendo possível realizar a junção Base/Emissor. Para medir o comportamento do Coletor sem utilizar o botão, temos aproximadamente 5V, ou seja, o transistor está em modo de Corte, a corrente não está fluindo e por este motivo o LED não acende mesmo recebendo uma tensão positiva.

Quando a Base/Emissor é acionada pelo botão, o Coletor terá aproximadamente 0V pois a corrente está fluindo pela junção Coletor/Emissor com a ajuda do resistor limitador de corrente de 1K e o LED irá acender, ou seja, o transistor está em modo Saturado, a corrente está fluindo ao máximo.

Pensando nos conceitos de portas lógicas, internamente um transistor trabalha como uma porta inversora, pois quando a tensão da Base estiver em 0V a tensão do Coletor será 5V e vise-versa como mostra a Figura 5.

Uma observação deve ser feita com atenção nos experimentos, quando adicionamos um LED informativo na saída (Output) para visualizar os estados do transistor de ligado e desligado, a interpretação é dada como uma porta comum e não inversora. Se a interpretação fosse uma inversão, o LED ficaria acesso e ao pressionar o botão apagaria o LED.

Figura 5: Transistores a esquerda em negrito estão em Corte e os dois transistores a direita estão Saturados.

2.1 Transistores e portas lógicas

Com o primeiro experimento realizado foi possível demonstrar que um transistor trabalha como uma chave eletrônica que liga e desliga. Depois das válvulas e relés, os circuitos lógicos eram desenvolvidos com transistores de junção bipolar, porém o próximo desafio era fabricar um circuito lógico completo miniaturizado, desse modo surgiu a famosa família de circuitos integrados TTL (Transistor-Transistor Logic), que foram responsáveis no desenvolvimento dos computadores pessoais.

Existem diversos CIs TTL que possuem configurações com determinadas portas lógicas, como por exemplo o 7404 (Seis portas inversoras), 7408 (Quatro portas AND), 7432 (Quatro portas OR) e 7486 (Quatro portas XOR) e assim por diante. Mas como uma porta do 7408 realiza a lógica AND? Ou uma porta do 7432 realiza a lógica OR? Para responder essas perguntas de forma didática vamos realizar novos experimentos com transistores, desenvolvendo no protoboard as portas lógicas a um baixo nível de abstração e em conjunto apresentar aplicações reais das lógicas Inverter/NOT, AND, OR, e XOR em circuitos eletrônicos. Inclusive é possível realizar essas lógicas invertidas, adicionando uma inversora na saída de cada uma e então surgem as portas NAND, NOR e XNOR.

2.1.1 Porta Inverter/NOT

A porta inversora ou Inverter/NOT é a mais simples de todas, é possível obter os possíveis resultados a partir da tabela verdade com uma entrada e uma saída (Input e Output), a lógica é dada como sempre a entrada será inversa à saída. Para observar estes estados de verdadeiro e falso com a lógica inversora, vamos montar no protoboard o seguinte diagrama esquemático com seus respectivos componentes.

Figura 6: Esquema da porta Inverter/NOT com transistores.

A montagem no protoboard deve ficar semelhante a Figura 7. Pela lógica o LED verde deverá ficar acesso e ao clicar o botão ele apagará.

Figura 7: Porta Inverter/NOT na prática.

Na Figura 6 podemos observar que além do diagrama esquemático da porta inversora com transistor, possuímos a sua tabela verdade, a notação em expressão booleana e o simbolo lógico que é normalmente utilizado em esquemas, sendo possível observar na Figura 8 de um exemplo de aplicação real, utilizando duas portas inversoras do integrado 74HCT04 para realizar o clock de um computador de 8 bits.

Figura 8: Exemplo de aplicação real da porta lógica inversora.

2.1.2 Porta AND

A porta lógica AND/E precisa de duas entradas para obter uma saída, sua lógica funciona da seguinte maneira, as duas entradas devem ser verdadeiras para o resultado ser verdadeiro, caso contrário a saída é falsa. Montando no protoboard o diagrama esquemático e analisando a tabela verdade da Figura 9 ajuda o entendimento da lógica.

Figura 9: Esquema da porta AND com transistores.

O circuito no protoboard deve ficar semelhante a Figura 10. Na lógica o LED irá acender com os dois botões pressionados.

Figura 10: Porta AND na prática.

A lógica AND é comum em circuitos de diversas finalidades, um exemplo interessante de aplicação real é um circuito somador completo (operações aritméticas de soma em notação binária) com display de 7 segmentos, dando um zoom na Figura 11 é possível localizar um circuito combinacional com duas portas OR e uma AND que são responsáveis em informar quando o resultado da operação for maior que 9, pois cada display exibe números de 0 a 9 e aqui surge o seguinte problema: e se a soma for igual a 10 ou 18? Caso esta informação seja verdadeira envia um bit para o display da esquerda e ativa um padrão de bits 0110 nas 4 entradas B para a próxima somatória, exibindo corretamente o resultado nos displays. Interessante né? Você pode se aprofundar no assunto lendo o artigo Display decimal para circuito digital aritmético.

Figura 11: Diagrama esquemático do Full Adder/BCD Adder de 4 bits.

2.1.3 Porta OR

A porta OR/OU é a mais dinâmica de todas, ela aceita entradas diferentes e verdadeiras. Sua lógica é denominada de uma forma simples. se as duas entradas forem falsas o resultado deve ser falso, caso contrário o resultado é verdadeiro. Vamos montar no protoboard seguindo a Figura 12 para entender o funcionamento da porta OR na prática.

Figura 12: Esquema da porta OR com transistores.

A montagem deve ficar semelhante a Figura 13. Pela lógica o LED verde acende com um dos botões pressionados ou os dois juntos, bem diferente da lógica AND!

Figura 13: Porta OR na prática.

2.1.4 Porta XOR

A famosa lógica OU Exclusiva, ela faz piscar LEDs de uma forma elegante, sua lógica desmembrada são compostas por portas NAND, e se comporta as vezes como uma porta inversora controlada. Quanta informação! Pois bem, a porta XOR tem a seguinte lógica, se as entradas forem iguais o resultado deve ser falso, caso contrário o resultado é verdadeiro. Vamos montar o maior circuito deste artigo no protoboard seguindo a Figura 14, contando com 5 transistores e LEDs para as entradas.

Figura 14: Esquema da porta XOR com transistores.

O circuito no protoboard deve ser parecido com a Figura 15. Na lógica um dos botões pressionados acende o LED de saída, os dois botões ao mesmo tempo apaga. Para enxergar a porta inversora controlada citada acima, mantenha pressionado um dos botões e o outro fique alternando o clique, o LED de saída com o LED do botão que você está clicando vão sempre ficar ao contrário do outro.

Figura 15: Porta XOR na prática.

Como salientado a porta XOR faz piscar um LED, resumidamente de uma forma simples aplicamos 0 em umas das entradas e a outra alternamos entre 0 ou 1 conforme a Figura 16, também é possível realizar o mesmo efeito utilizando sinais de clock, onde as entradas recebem valores diferentes de um clock, sendo assim a onda quadrada de A será mais larga (Duty cycle maior) e a B será mais fina (Duty cycle menor) ou vise versa, desencontrando as bordas de subida das ondas fazendo a saída Y alterar conforme observamos na Figura 17. Outra forma diferente de piscar um LED com a lógica XOR é utilizando um Arduino.

Uma aplicação mais avançada da porta XOR são em circuitos que realizam operações aritméticas de soma e subtração no mesmo circuito. Este projeto aplica o conceito de XOR agir como porta inversora controlada, onde um circuito subtrator de 1 bit é consequentemente um somador com inversor em uma das entradas, mas quando ocorre essa junção de operações ela precisa ser exata, uma hora deve somar outra subtrair quando uma pessoa quiser. Para isso se tornar real trocamos as portas inversoras com XOR's, isso podemos observar na Figura 18 com um circuito de 8 bits que faz exatamente esse processo.

Figura 18: Diagrama esquemático do Parallel Full Adder/Subtractor.

Conclusão

Com uma breve apresentação descrita neste artigo sobre os transistores, foi possível explicar na prática como um transistor funciona por meio de experimentos com prototipagem e análise de circuito com equipamento de medição. Este conhecimento teórico e prático possibilitou ressaltar conceitos que integram as portas lógicas NOT, AND, OR e XOR aplicando a um nível baixo de abstração utilizando transistores como apresentado no item 2,1, fazendo assim uma associação com prototipagem didática e explanação de aplicações reais das portas lógicas em projetos digitais compostos por circuitos integrados.

Referências

  1. MALVINO, A. P; BROWN, J. A; Digital computer electronics. 3 ed. McGraw-Hill, 1999.
  2. TOCCI, R, J; WIDMER, N. S; MOSS, G. L; Sistemas digitais: princípios e aplicações. 10 ed. Pearson Prentice Hall, 2008.
  3. VAHID, F: Sistemas digitais: projeto, otimização e HDLs. 1 ed, Bookman, 2008.